O Mundial Júnior de Remo, evento-teste para o Rio 2016 no Estádio de Remo da Lagoa Rodrigo de Freitas, teve alguns pequenos percalços, mas o saldo geral, apesar da polêmica em relação à qualidade da água, foi positivo. Os competidores consultados elogiaram as raias, não houve registro de problemas com a cronometragem, e a competição transcorreu sem sustos. Em relação à disputa houve somente uma crítica mais incisiva dos atletas e técnicos: a largada, com cerca de 1,5m de profundidade – metade do exigido em todo o percurso pela Federação Internacional de Remo (Fisa, na sigla em francês) – não agradou. Mas outras questões também precisam melhorar para um evento olímpico, entre eles a sinalização, o sistema de credenciamento e detalhes para equipes técnicas, como espaços individuais para exames na área de fisioterapia. Problemas pequenos que, para quem rema diante de uma paisagem abençoada pelo Cristo Redentor, não são suficientes para reprovação do evento-teste.
O evento também deixou gosto um tanto amargo para quem usualmente disputa provas de remo no local. Os remadores brasileiros, de clubes como Flamengo, Botafogo e Vasco, reclamaram do fato de não haver raias balizadas para disputas locais. Presidente do Comitê Rio 2016 e do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman deu total apoio à reivindicação:
– O material fica. Só quero esclarecer que depois dos Jogos a função do Comitê Rio 2016 termina, esse material todo deve ficar com a CBR, mas estou totalmente de acordo com os atletas, eles precisam de raias nas condições que elas estão, uma raia extraordinária, todos os remadores estão dizendo isso. O evento-teste é para que os defeitos apareçam. Se não tivermos, não é um bom sinal, porque há o risco de ter em algum momento. A análise geral será feita a partir do término da competição – avaliou Nuzman, que rasgou elogios à tecnologia e conforto da torre de chegada, que visitou na quinta-feira.
Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB e do Comitê Rio 2016, no Mundial de Remo Júnior, na Lagoa Rodrigo de Freitas (Foto: Vicente Seda)
O presidente da Confederação Brasileira de Remo (CBR), Edson Pereira Júnior, justificou que o custo de instalação e manutenção dessas marcações é inviável para competições locais. Mas destacou que todo o material adquirido servirá para o desenvolvimento da seleção nacional.
– Esses equipamentos vão fazer a diferença, até hoje usamos os barcos comprados para o Pan de 2007, agora foram comprados catamarãs de bom nível, o que é importante também para nossa seleção evoluir. Esse sistema de raia balizada é extremamente caro, só é usado em competições de alto nível. Tem de ser colocado e retirado para cada evento.
O diretor de operações do Comitê Rio 2016, Rodrigo Tostes, destacou o trabalho dos voluntários e do staff do órgão, mas afirmou que maiores detalhes sobre o funcionamento de cada setor só poderão ser de fato conhecidos após as reuniões de “feedback” durante a semana.
Arquibancada flutuante
Para remadores brasileiros, cartão postal da cidade precisa ser melhor cuidado (Foto: Buda Mendes / Getty Images)
Uma das questões importantes a serem resolvidas para as Olimpíadas é a instalação da arquibancada provisória para quatro mil pessoas. O projeto inicial foi embargado por questões ambientais. Para Nuzman, o sucesso de público do Mundial Júnior deixou claro que é uma medida essencial para a competição olímpica.
– Isso é fundamental, vamos precisar. Vendemos todos os ingressos no evento-teste, não tem cabimento se a gente não tiver. Estamos lutando e tenho certeza que haverá compreensão. Se no mundo inteiro é possível, não podemos aqui fazer diferente – disse Nuzman.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, sinalizou que pretende tratar pessoalmente da questão:
– Acho que há um problema de esclarecimento, de comunicação. A gente diminuiu muito essa arquibancada flutuante, ela é temporária, são quatro estacas na Lagoa, não tem nenhum tipo de dano ambiental. Vou me reunir com o Ministério Público e todos os órgãos de proteção, esclarecer bem isso, comunicar de maneira adequada, isso não vai gerar nenhum tipo de problema, tenho certeza que será possível fazer essa arquibancada. Até o ano que vem tem de estar pronta, senão vamos ter de arrumar um monte de barquinho de remo para as pessoas assistirem.
Água: a maior polêmica
As provas classificatórias começaram na quarta-feira, com o único brasileiro nas regatas do dia virando o barco. Igor Cunha vinha bem na prova do single skiff, mas na reta final sentiu uma contratura muscular, e mergulhou no centro da polêmica que antecedeu o evento. Uma reportagem da Associated Press (AP) denunciara a presença de vírus na água da Lagoa Rodrigo de Freitas e as perguntas naquele dia inevitavelmente eram voltadas para o tema. A Federação Internacional de Remo anunciou que faria novos testes incluindo também os vírus, mas acabou confirmando que isso só aconteceria após o fim do evento, que ainda seria antecipado. Encerrado o evento, o diretor executivo da Fisa, Matthew Smith, elogiou a qualidade da água e afirmou que ainda aguarda recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre quais vírus deverão ser testados:
– A condição da água é a melhor desde que começamos a acompanhar, anos atrás. O novo elemento é essa questão dos vírus e os especialistas ainda estão analisando se isso de fato representa um risco. A partir desta segunda vamos nos aprofundar na questão – analisou Matthew Smith, da Fisa.
Remadores brasileiros, acostumados a praticar no local, também fizeram coro por uma água mais limpa. Integrantes da categoria 8+ relataram que ainda há cheiro forte quando chove e destacaram o fato de se tratar de um cartão postal da cidade. O delegado da equipe italiana, Giuseppe Abbagnale, mesmo tendo avaliado o evento de forma positiva, afirmou que as entidades deveriam pressionar o governo brasileiro por melhora na qualidade da água:
– Foi um evento muito positivo e bem organizado, um pouco de dificuldade apenas por conta do vento. Apenas o que pode ser um problema é a qualidade da água. Espero que no próximo ano a qualidade da água esteja melhor.
Credenciamento confuso
Na chegada ao evento, a reportagem se deparou com uma sala de credenciamento um pouco confusa, com convidados e jornalistas resolvendo problemas na mesma mesa, e falhas no sistema que por vezes não reconhecia nomes que cumpriram o processo regular de credenciamento, inclusive com a carta de aprovação da organização do evento. Foi o caso com a reportagem do GloboEsporte.com que, mesmo com o documento oficial de aprovação, levou cerca de 30 minutos para resolver a questão. Os funcionários conversavam com superiores por telefone, deixando claro que não era um fato inédito. Mas todos mostraram boa vontade.
Sinalização deficiente
Sinalização só nos locais de acesso deixou a desejar (Foto: Vicente Seda)
No primeiro reconhecimento no local, uma falha nítida: apesar das duas orientadoras na entrada para pedestres, a sinalização não foi o forte do evento. Placas relativamente pequenas, praticamente só penduradas nos locais de acesso, tornavam quase que obrigatórias as perguntas para funcionários que, ainda em treinamento, nem sempre tinham informações muito precisas.
Não havia, por exemplo, na entrada, um indicador principal com as direções para cada área, nem para imprensa, nem para público. Somente os orientadores. Não havia também qualquer indicação sobre locais de banheiros, área de competição, locais para compra de alimentos e outros serviços, bem como indicações para o local de credenciamento. Para um evento do porte das Olimpíadas, e levando-se em conta o tipo de sinalização usado na Copa do Mundo de 2014, é um fator que pode melhorar.
Segurança, trânsito, staff e voluntários
Policiamento no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas foi reforçado (Foto: Vicente Seda)
A segurança no local, feita pela mesma empresa privada que cuidou do Maracanã na Copa do Mundo de 2014, não registrou problemas. Funcionários e voluntários se mostraram atenciosos quando abordados pela reportagem. No entorno da Lagoa, o policiamento foi bastante reforçado, incluindo reforço da cavalaria da Polícia Militar e viaturas da Polícia Civil. Não houve registros de problemas de segurança. Os voluntários e membros do staff abordados pela reportagem estavam, em sua maioria, bem informados e invariavelmente mostraram boa vontade em orientar e resolver problemas. Também não foram observados maiores transtornos no escoamento do público, que compareceu em bom número, e no trânsito dos arredores, mesmo em se tratando de uma área bastante sensível nesse aspecto.
Vento, uma preocupação
Evento-teste aconteceu sem chuva, mas vento obrigou mudanças nas provas (Foto: Guilherme Leporace / Ag. Globo)
Na quinta-feira, a organização anunciou um contratempo que pode acontecer também durante os Jogos: o vento. Com a previsão meteorológica, as provas previstas para sábado passaram para sexta-feira, e as finais de domingo mudaram para a manhã de sábado. É uma questão que obviamente independe da organização, mas que pode vir a atrapalhar em 2016. Neste dia também o evento foi “vistoriado” pelo presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, que não deu declarações e se reuniu com a cúpula da Fisa e da Confederação Brasileira de Remo (CBR). As últimas regatas do sábado tiveram um nível de dificuldade maior para os competidores, que remaram contra o vento.
– Há uma situação climática bem especial aqui na Lagoa. Essas montanhas criam uma espécie de armadilha. Então estamos aprendendo como o vento se comporta, mantendo contato com todas as entidades que monitoram o clima e aprendemos bastante. Os ajustes necessários na competição por causa do clima, apesar de complicados, foram muito bem feitos – disse Matthew Smith, da Fisa.
Largada sem profundidade
Largada com pouca profundidade gerou ondas que freiam os barcos (Foto: Igor Meijer / FISA)
A largada foi a questão mais criticada pelos competidores e treinadores no Mundial Júnior de Remo. Por conta de profundidade insuficiente, o sistema eletrônico não foi testado e os partidores não puderam ser colocados. Mas a Fisa acredita que até 2016 as questões estarão resolvidas.
– Por muito tempo sabemos que entre o evento-teste e as Olimpíadas há muito a ser feito. Um dos requisitos para as Olimpíadas é o sistema eletrônico de largada, mas não é obrigatório para o Mundial Júnior. Estávamos prontos para testá-lo, mas um trabalho extra para a profundidade ainda será feito e estamos bastante satisfeitos – analisou Matthew Smith.
Fabiana Beltrame lamenta profundidade e ausência de partidor em evento-teste
O técnico americano Casey Galvanek reclamou:
– Eu diria que esse é o principal problema. Não tinha três metros de profundidade, como deveria ter. Parece que é algo fácil de consertar com uma dragagem. Só precisa de tempo para fazer. Quando o arco corta a água, produz uma onda para o fundo e então vem o reflexo da onda e freia um pouco o barco. Eu acredito que essa profundidade (oficial de 3m) estará pronta para a hora “H” e tudo ficará bem.
O Comitê Rio 2016 promete fazer uma dragagem para as Olimpíadas. Obrigatórios para os Jogos Olímpicos, os partidores também não puderam ser utilizados neste Mundial júnior já que é preciso uma profundidade de, no mínimo, dois metros para o sistema ser instalado. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, avisou que o tema será discutido.
– Há algumas questões em relação à profundidade da Lagoa que estamos analisando. A Lagoa é uma área muito sensível da cidade, do ponto de vista ambiental e da paisagem, e é muito importante que a gente tenha a compreensão de todos os órgãos para que possamos avançar nisso e construir essas soluções. É importante atender a essas premissas sem gerar nenhum dano ambiental. A gente tem tempo para discutir isso com os órgãos.
Áreas para barcos e fisioterapia
Brigitte, fisioterapeuta da equipe francesa, lamentou falta de privacidade para exames (Foto: Vicente Seda)
Fora d’água, os treinadores questionam um pouco a organização do espaço, como a localização das varas de barcos, que estão embaixo da arquibancada fixa do Estádio de Remo da Lagoa. Porém, em 2016 os barcos ficarão ao lado, já que haverá uma arquibancada temporária embaixo da já existente. Houve também uma reclamação da fisioterapeuta da equipe francesa, Brigitte Kotwica, em relação à área para o atendimento dos atletas. Ela elogiou o número de macas, mas avisou que é necessário um espaço para atendimento individual dos atletas em determinados casos.
– O número de macas foi muito bom, mais do que suficiente, mas não havia qualquer local onde eu pudesse examinar individualmente um atleta. Não poderia tirar a roupa de um atleta para examinar ali, por exemplo – disse a francesa.
No geral, atletas aprovaram o evento-teste no Rio (Foto: Guilherme Leporace / Ag. Globo)
fonte: Globo Esporte