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Especial

Clubes do Rio de Janeiro alegam falta de transparência e ameaçam boicote à CBR

De acordo com representantes de Botafogo, Vasco e Flamengo, existe um afastamento proposital da Confederação Brasileira de Remo dos times cariocas que prejudica os atletas

Insatisfeitos com as decisões da Confederação Brasileira de Remo (CBR), Botafogo, Vasco e Flamengo decidiram deixar de lado a rivalidade para se unir. Com apoio da Federação de Remo do Estado do Rio de Janeiro (FRERJ), os três fortes clubes da modalidade no país estudam criar uma associação e organizar competições independentes. O motivo da iniciativa das associações cariocas está ligado a uma série de discordâncias entre a Federação fluminense e a entidade nacional na escolha de locais para competições, financiamento de atletas e até do uso de um centro de treinamento, legado dos Jogos Olímpicos de 2016. O presidente da CBR se defende das acusações e afirma que não há intenção de prejudicar o trio carioca.

De acordo com Marcelo Murad, diretor financeiro do Botafogo, a ideia não é romper completamente com a entidade nacional, mas sim buscar formatos que não prejudiquem os clubes do Rio de Janeiro.

– Os três clubes estão alinhados em fazer remo. Não queremos que ninguém pague nossas contas, mas queremos coerência com regras de inclusão. Não podemos ter nossa relevância colocada em segundo plano. Não aguentamos mais essa falta de comunicação institucional entre federação, clubes e confederação. Os clubes do Rio agora estão em sinergia. Não vamos deixar de atender as convocações e nem as seletivas nacionais, mas vamos organizar as nossas competições – explicou.

Além da falta de suporte e clareza da Confederação Brasileira, uma das principais reivindicações é um suposto distanciamento proposital do presidente da Confederação Edson Altino Pereira Junior dos clubes do Rio. Segundo os representantes de Botafogo, Vasco e Flamengo, esse afastamento já atingiu proporções exageradas, e competições estão sendo levadas para fora da capital fluminense como forma de boicote. Mesmo com uma estrutura olímpica moderna e pronta para receber os eventos, o Rio não tem sido escolhido para sediar os principais campeonatos nacionais, e os clubes precisam se desdobrar para levar seus atletlas para competir em outros estados do Brasil.

– Estamos gastando dinheiro que não precisaria gastar. O Sul-Americano logo após a Rio 2016 foi realizado em Brasília e não tinha estrutura nenhuma. Os atletas se sentem desestimulados com essas decisões. O remo é um esporte muito caro, estamos pagando o preço dessa queda de braço, e o Rio é tratado de uma forma diferente – comentou Bruno Cotecchia, diretor de remo do Flamengo.

Uma das razões que motiva o esse distanciamento é Centro Treinamento e Formação e de Alta Performance de Remo, que fica na Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões postais do Rio de Janeiro, local da realização das provas da modalidade na Olimpíada do Rio. Inaugurado em fevereiro deste ano, foi um dos principais legados dos Jogos de 2016. O CT era a sede da CBR na capital fluminense e passou por algumas reformas antes de receber a competição. Depois da Olimpíada, ainda ficou fechado por alguns meses para receber mais alguns reparos e melhorias. De acordo com o presidente da Federação de Remo do Rio, Paulo Carvalho, a inciativa de modernização do local foi da entidade estadual, mas antes das obras a Confederação havia sido informada e concordado com o projeto.

Formalmente o Centro de Treinamento está agora sob responsabilidade da Federação. No entanto, existe um impasse entre o Rio de Janeiro e a Confederação Brasileira sobre quem vai ocupar o espaço. Em cartas trocadas pelas entidades, o presidente da CBR Edson Altino diz que a intenção da entidade nacional é utilizar o local na Lagoa para treinamento dos atletas da seleção, mas que compartilhar com a Federação do Rio não estaria previsto. Segundo o documento, a Confederação Brasileira “aguarda a devolução de seu espaço e não aceita a proposta da Federação de Remo do Estado do Rio de Janeiro de ocupar parcialmente a área”.

– Fizemos em comum acordo, mas a sede da CBR estava naquela garagem. Estava tudo previsto para eles voltarem e não temos interesse em tirar a Confederação daqui. De repente, o presidente se virou contra. Ele se recusa a voltar porque acha que a Federação do Rio quer fazer o trabalho dele. Como o CT foi um sucesso e uma iniciativa nossa, é uma questão de vaidade. Desde 2016 vem prejudicando os clubes cariocas, e agora com essa recusa ele quer colocar os outros Estados contra o Rio. Ele quer promover um racha nacional – disse Paulo Carvalho.

Em nota, a CBR disse que espaço foi desocupado para a realização olímpica, e que ao final, não foi devolvido à entidade. O presidente Edson Altino fez questão de frisar que não existe impasse sobre a ocupação do local, visto que a entidade nacional não contestou e nem utilizou de medidas jurídicas para retomar o Centro de Treinamento.

Outro ponto levantado pelos clubes é o apoio financeiro aos atletas convocados pela Confederação para as competições internacionais. Campeão mundial sub-23 de remo na Bulgária no mês de julho, Uncas Tales subiu ao pódio vestindo um macacão antigo. Nem mesmo o patrocinador exibido no uniforme é o atual. Apesar de serem filiado aos clubes, as agremiações afirmam que, a partir do momento em que são convocados, os atletas passam a ser também responsabilidade da Confederação.

Uncas Tales remo botafogo campeão mundial sub-23 - Paulinho técnico (Foto: FISA)

Uncas Tales remo botafogo campeão mundial sub-23 – Paulinho técnico (Foto: FISA)

Segundo Marcelo Murad, existem diversas promessas feitas pela entidade nacional que ainda não foram cumpridas, como plano de saúde para Uncas Tales e Lucas Verthiem, atletas do Brasil e também do clube alvinegro. Teria também a promessa de uma premiação pela medalha de bronze conquistada no Mundial de Juniores de 2016 pelo atleta Lucas. O prêmio em dinheiro seria pago para o atleta e seu treinador Paulo Vinicius de Souza, mas os dois nunca receberam a bonificação. Ainda de acordo Murad, o Botafogo precisou arcar com as despesas do visto de Uncas e seu técnico para que ambos possam ir ao Campeonato Mundial Aberto em Sarasota, na Flórida, remar pelo Brasil. O valor dos custos foi de R$ 1.056,00 e deveria ser pago pela CBR.

– O Uncas e o Lucas Verthein são crias da escolinha de remo do Botafogo. Nunca recebi um centavo de ajuda da Confederação. Depois do título, a divulgação foi muito modesta para um feito desses. Além disso, o Uncas competiu com o uniforme completamente ultrapassado. Nem os patrocinadores são os mesmos. Não tinha bandeira do Brasil no pódio. O Uncas ficou nove meses lesionado, e a conta foi toda paga pelo Botafogo. Não recebi nenhum telefonema da Confederação. A conta é toda nossa, e os atletas se sentem prejudicados, mas tem receio de denunciar – comentou.

A Confederação Brasileira negou que houvesse qualquer tipo de promessa de prêmio para o atleta e seu treinador, e que vem trabalhando para oferecer o plano de saúde para Uncas e Lucas como mais uma forma de bonificação pelo bom trabalho desempenhado na seleção brasileira. Ainda segundo a entidade, os “atletas sempre tiveram o suporte para participar das competições internacionais” e utilizaram o uniforme antigo por opção pessoal, por não terem se adaptado ao tecido dos novos uniformes.

Diretora de remo do Vasco, Gracilia Portela contou que tentou evitar o conflito ao máximo, mas que realmente sente que os clubes do Rio estão sendo bastante prejudicados nessa queda de braço. Para a representante, falta alinhamento e transparência nas atitudes do presidente da Confederação.

– Entendemos que é imprescindível que a entidade esteja alinhada com os clubes. Relutamos muito, até as últimas consequências. Mas ele (o presidente) é impossível, se coloca em uma postura complexa. Sentimos que a Confederação não age de boa vontade, as coisas são feitas de forma unilateral e os critérios não são claros. De forma pessoal o presidente não dá guarida aos clubes do Rio de Janeiro, que são a base dos atletas. Até o último momento evitamos bater de frente, mas não foi possível – explicou Gracilia.

Uncas Tales remo botafogo campeão mundial sub-23 (Foto: World Rowing)

Uncas Tales remo botafogo campeão mundial sub-23 (Foto: World Rowing)

Confira na íntegra a nota enviada pela Confederação Brasileira de Remo:

“1) A Confederação Brasileira de Remo tem o maior respeito e admiração pelo remo desempenhado no Rio de Janeiro, sendo a localidade que mais frequentemente recebe eventos nacionais. Acontece, porém, que faz-se necessária a realização de eventos também em outras localidades do país, o que acertadamente tem sido promovido pela gestão da CBR.

2) A sede onde atualmente funciona a FRERJ, e seu ventilado centro de treinamento da lagoa, sempre serviu como sede da CBR, local onde a seleção brasileira de remo realizava parte de sua preparação. O espaço foi desocupado para a realização olímpica, e, surpreendentemente, ao final, não foi devolvido ao seu histórico ocupante, à CBR. Sustentada em sua posse formal não houve concordância quanto às exigências da FRERJ para o retorno da CBR ao local e, sendo uma de suas filiadas, não se fez qualquer medida jurídica no sentido de retomar-se o espaço. O impasse, portanto, não existe, afinal à CBR não litigou em face da filiada que ocupou o espaço que anteriormente era ocupado pela entidade maior do remo brasileiro.

3) Desde 2012 estaConfederação divulga relatórios de Gestão e prestações de contas em seu site, além da anual discussão e aprovação em assembléia geral. Todo e qualquer apoio de patrocínio é divulgado e os atletas sempre tiveram o suporte para participar das competições internacionais com passagens, hospedagens, alimentação, seguros, uniformes, barcos e tudo que é necessário para o bom desempenho do atleta. Os atletas receberam uniformes novos e não gostaram do tecido preferindo utilizar o uniforme da temporada anterior sem prejuízo algum no seu desempenho. Prova disso foram os resultados alcançados.

4) Os atletas Lucas Verthein e Uncas Tales Batista, por sua dedicação e desempenho, trazem muito orgulho ao desporto nacional, merecendo todo o apoio da CBR. O plano de saúde citado nunca foi prometido, embora seja uma das metas da entidade permitir-se mais este apoio aos atletas deste gabarito.

5) Durante o exercício de 2016 um dos patrocinadores da CBR ofereceu premiação ao atleta medalhista nos jogos olímpicos, o que distingue de outros eventos de envergadura global, e nunca existiu promessa distinta.

6) Os valores apontados podem ser objeto de ressarcimento logo que enfrentem o específico pedido perante à CBR e sua natural tramitação.”

Por Gabriela Pantaleão, Rio de Janeiro